"Nestes tempos deploráveis, surgiu uma nova indústria, que muito contribuiu para confirmar a tolice na sua fé e para destruir o que se podia restar de divino no espírito francês. Essa multidão idólatra postulava um ideal digno de si e apropriado `a sua natureza, isso é evidente (...) Creio na natureza, e apenas na natureza (há boas razões para isso). Creio que a arte é e não pode ser senão a reprodução exata da natureza (uma seita tímida e dissidente quer que os objetos repugnantes sejam afastados, como por exemplo, um urinol ou um esqueleto). Assim, o engenho que nos desse um resultado idêntico `a natureza seria a arte absoluta. (...) Um Deus vingativo atendeu os pedidos dessa multidão. Daguerre foi seu Messias. E então ela diz pra si mesma: 'Já vi que a fotografia nos dá todas as garantias desejáveis de exatidão (eles acreditam nisso, os insensatos), a arte é a fotografia.' A partir desse momento, a sociedade imunda precipitou-se, como um único Narciso, para contemplar sua trivial imagem sobre o metal. Uma loucura, um fanatismo extraordinário apoderou-se de todos esses novos adoradores de Sol. (...) Como a indústria fotográfica era o refúgio de todos os pintores fracassados, sem talento ou demasiado preguiçosos para concluírem seus esboços, essa mania coletiva possuía não só o caráter da cegueira e da imbecilidade, mas assumia também o gosto de uma vingança. (...) Se se permitir que a fotografia substitua a arte em algumas de suas funções, em breve ela suplantará - ou a corromperá - completamente, graças `a aliança natural que encontrará na estupidez da multidão. É necessário, portanto, que ela se limite a seu verdadeiro dever, que é ser a serva, como a imprensa e a estengrafia, que não criaram nem substituíram a literatura. Que enriqueça rapidamente o álbum de viajante e restitua a seus olhos a precisão que faltaria`a sua memória, que enfeite a biblioteca do naturalista, amplie os animais microscópicos, até fortaleça com algumas informações as hipóteses do astrônomo, que seja, enfim, a secretária e o bloco de notas de quem quer que necessite de uma absoluta exatidão material em sua profissão, até aí nenhuma objeção. Que salve do esquecimento as ruínas pendentes, os livros, as estampas, os manuscritos que o tempo devora, as coisas preciosas cuja forma vai desaparecer e que exigem um lugar nos arquivos de nossa memória, se lhe agradecerá e aplaudirá. Mas se for permitido invadir o campo do impalpável e do imaginário, aquilo que vale somente porque o homem aí acrescenta algo da própria alma, então pobre de nós!"
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